Roma - Ponto de vista

Jornalista e cronista do Diário de Notícias, Ferreira Fernandes faz uma viagem de memória a uma cidade que descobriu aos 20 anos. Histórias de quem lá chegou clandestino.

Entrar em Roma, como até os hunos sabiam, requer algum tom dramático. Tive a minha dose. Eu tinha 20 anos, vivia exilado em Paris, não tinha passaporte, entrara clandestinamente em Itália e descia pela Autostrada del Sole, dedo esticado. 



Na verdade, já não estava esticado, desistira. Num posto de gasolina qualquer, o camionista que me dera boleia estacionou, correu para o bar, convencido de que eu fazia o mesmo. Fui até à saída para a estrada e ali fiquei, primeiro de pé, depois sentado, admirado por toda a Itália se recusar a ultrapassar aquele lugar – nem um carro. Quer dizer, havia-os, chegavam até acelerados, travavam e largavam o pessoal esbaforido que corria para o bar como o meu camionista. Mas seguindo para Roma, ninguém.
E eu, ali, solitário, no campo silencioso mas pontuado por gritos de júbilo e sons surdos de ira, vindos do bar. Que se passava, além de não passarem automóveis? Não sei em que região estava, se na Toscana, na Úmbria ou já no Lácio, mas posso saber a data e as horas exatas daquela minha espera perplexa. Uma rápida consulta ao Google diz quando foi o 1-0, 1-1, 1-2, 2-2, 3-2, 3-3 e 4-3, dos 120 minutos do jogo do século, Itália-Alemanha, semifinal do Mundial mexicano de 1970.
Ganhei um lanche pago pelo camionista que me recuperou e falou comigo sem se dar conta de que eu nunca saíra da borda da estrada. 

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